domingo, 23 de junho de 2013

50 frases da revolução hibernal brasileira



Coletei no facebook, nas manifestações, na internet em geral e na mídia impressa algumas frases que marcaram o que chamo de revolução hibernal brasileira. Verdade que não é uma revolução no sentido pleno da palavra, nosso inverno é suave e o Brasil é algo bem complexo de ser entendido. Mas essas frases encheram os cartazes nos protestos de rua: contra o aumento das tarifas de transporte público; contra a corrupção e a impunidade; a favor de serviços públicos de qualidade; contra os desmandos da FIFA; contra a idiotice do projeto Cura Gay (proposto pelo deputado João Campos, do PSDB de Goiás e insuflado pelo Feliciano, da mesma bancada de evangélicos fundamentalistas); e contra o machismo, exposto com muito humor e pouca roupa na Marcha das Vadias.


São frases que representam um estado de humor, sentimentos e ideias de quem foi às ruas protestar. O que acontecerá agora? A semana que se inicia nos contará e, certamente, novos desafios e surpresas surgirão. Além de mais frases de efeito nos cartazes e na boca do povo na rua, como essas selecionadas com gosto, fé e tesão:

Nós não estaremos nas ruas para mudá-los, mas para mudarmos. Vocês não vão mudar e é por isso que muitos de vocês não servem mais.


Enquanto você assiste TV, eu mudo o país por você.

Não fui para Hogwarts, mas cansei de ser trouxa.


Acorda Brasil!


O comodismo é um mal parasitário.


Se a cura gay for pelo SUS ... o povo vai morrer viado.


Depois da cura gay só falta alvejante para negros.


Sexualidade é opção, assim como religião.


Doutor, eu não me engano, quem não tem cura é o Feliciano.


Preconceito é que é doença.


Queremos cura para a fome.


Curo corrupto. Trago a honestidade em 3 dias...

Pensamento do dia: Feliciano, cuida do teu rabo que eu cuido do meu!

Não estou na arquibancada, estou virando o jogo.


Estádios já temos... Bora construir um país em volta?


Estou cansado desta merda.


Eu posso mudar o Brasil.


Não há ordem sem justiça.


Governo Dilma: 39 ministérios. Haja teta para mamar.


Verás que um filho teu não foge à luta.



Se vão importar médicos cubanos para melhorar a saúde, queremos policiais ingleses para melhorar a segurança pública e políticos suecos para acabar com a corrupção. 


Tirar os bandidos da Rocinha foi moleza, quero ver quem consegue tirar os de Brasília.


Enquanto a bola rola, falta saúde e falta escola.


Jogaram mentos na geração Coca-Cola!


Não são por centavos que estamos aqui!


Escola e hospitais padrão FIFA!


Eu só aceitaria essa tarifa de ônibus se tivesse wi-fi, ar condicionado e open bar durante a viagem.



Sorte de hoje: você não é a Dilma.


V de vinagre...


E se essas manifestações em todo o Brasil forem apenas uma jogada de marketing das empresas de vinagre?



Cansado de notícias sobre as manifestações? Eu estava cansado de ver mensagens de auto-ajuda e indiretinhas (no facebook).



Enfia os vinte centavos no SUS.


Tem tanta coisa errada que nem cabe em um cartaz.


Estou aqui para garantir que eu possa estar aqui.


Change Brasil! (manifestações de brasileiros no exterior)


A vida não se resume a festivais ou futebol.


Desculpe o transtorno, estamos mudando o Brasil.



Se ir e vir é um direito, lutar por ele é um dever. 


Professor, te desejo o salário de um deputado e o prestígio de um jogador de futebol.



Mim xama di Copa i envesti ni mim. Assinado: Educação.


Brasil 3, Japão zero, em futebol. Em educação, Japão 10 a zero.


Vamos acordar, um professor vale mais que o Neymar. 


Estou aqui pelos meus alunos que não puderam vir.


Redução do salário dos políticos. Vamos levantar essa bandeira também.


Sou mulher, sou livre.


Aborte seu machismo. 


Meu corpo, minhas regras (escrito no corpo de uma mulher)


Quando um home é oprimido é uma tragédia, quando uma mulher é oprimida é tradição.



Nem santas, nem putas. Mulheres livres!


Saia do meu corpo que não TE pertence. 


Cobrando ou não, sexo não dá direito à agressão. 



Já que a bomba é de efeito moral, joga no congresso nacional.

Conseguimos os centavos de volta, agora queremos os bilhões.

Povo corrupto = governo corrupto. Chega do jeitinho brasileiro. Corrupção não.

É uma vergonha, o preço da passagem tá mais caro que a maconha!
 

terça-feira, 18 de junho de 2013

A insatisfação está no ar e nas ruas

As pessoas se perguntam por que há tanta revolta e desgosto no ar das cidades brasileiras. Um dos motivos é esse impostômetro, exposto 24 horas, quase em frente ao Páteo do Colégio, em São Paulo. Até hoje já pagamos mais de 700 bilhões em impostos e o retorno, especialmente para a classe média, é pífio. Para os mais pobres algo melhorou, especialmente nas últimas duas décadas, ou seja, desde o Plano Real do governo FHC e o início das bolsas populares. Depois o Lula aprimorou os benefícios, mas a qualidade dos serviços públicos deixa muiiiiiito a desejar.


Hoje cerca de 50 mil pessoas se concentraram na Praça da Sé. Nos canteiros próximos, estavam os carros de apoio das TVs. Um deles (da Record) foi queimado mais tarde, em frente à Prefeitura. Já aviso que não há fotos dos tumultos, pois prezo meu bem estar e não gosto de levar porradas da PM, gás ou spray de pimenta nos meus olhinhos, que já precisam de lentes multifocais.  


Foi uma manifestação com muita garotada classe média, alguns mais velhos, poucos trabalhadores populares e muito bom humor. Vi a massa criticar as poucas bandeiras de partidos (claro que nenhuma do PT ou PSDB) de extrema esquerda e tentar reprimir atos de vandalismo.

A multidão colorida tomou as escadarias da Catedral da Sé, local símbolo das movimentações populares pelas Diretas Já, em 1983.


É, literalmente, um monte de gente.


Alguns acessos da estação do metrô ficaram fechados e a multidão se esparramou pelos canteiros, calçadas laterais e ruas próximas.


A noite caiu sobre a multidão que saiu em passeata ao som dos sinos, que avisavam ser seis horas da tarde.

Uma parte da multidão foi para o terminal de ônibus do Parque Dom Pedro e outra foi para a Prefeitura, onde começaram os atos de vandalismo: um caminhão de apoio da TV Record foi queimado, uma pequena base da PM destruída, algumas lojas saqueadas e agencias bancárias depredadas. Esse é o lado ruim e irresponsável de qualquer manifestação. Quem começa os ataques? Extremistas infiltrados? Marginais oportunistas? É bom que o quanto antes se saibam as respostas.

Fiquei perto da Prefeitura até começar os empurrões e depois me mandei. Aí está a fachada do prédio (à esquerda) e um dos helicópteros sobrevoando a área.


E termino com fotos de alguns dos cartazes que a garotada levou na manifestação.

Finalmente saúde e educação entram na agenda popular de forma contundente.


A atenção com os gastos feitos para a Copa é irreprimível. Segundo fontes oficiais, a conta para 2014, chega a 28 bilhões de reais. Quase o triplo dos gastos feitos em Copas anteriores e com resultados muito menos adequados, pois a infraestrutura do país é lamentável (portos, aeroportos, vias de acesso, ferrovias, terminais rodoviários, sinalização, museus...). O esperado legado das Copas é frustrante.


Updating velhos estereótipos...

Revivendo os mitos históricos consagrados pelos HQ, como 300, de Frank Miller.


E assim foi a sexta manifestação paulistana, ao lado de outras tantas pelo país. Alguns olham com temor para tudo isso, pois lembram de antigas manipulações e conspirações. Porém está-se colhendo o fruto amargo do populismo, da impunidade e da corrupção, de um tipo inédito de articulação entre vários partidos unidos por interesses não-republicanos. Turvou-se a diferença ideológica e partidária. Surge um movimento de ruas, sem líderes clássicos ou metas bem estipuladas. A única sensação comum é a de insatisfação profunda com "tudo o que está aí". Uma boa oportunidade para rever políticas públicas e padrões éticos de conduta governamental, corporativa, institucional e pessoal.



segunda-feira, 17 de junho de 2013

"Desculpem o transtorno, estamos mudando o país!"




Desde 3 de junho há protestos pelo país. O início foi a revolta pelo aumento das tarifas do transporte público e contra o péssimo serviço oferecido por ônibus, trens e até por metrôs. 


Os políticos ignoraram, a polícia reprimiu com a costumeira boçalidade, alguns fizeram muxoxo e chamaram os manifestantes de baderneiros, esnobes ou nefelibatas. Então as manifestações explodiram e tomaram as redes sociais, as ruas e a mídia, necessariamente nessa ordem. 

Manuel Castells é um dos sociólogos que escreveu sobre os últimos movimentos sociais no mundo e sua articulação pelas redes sociais. Em seu livro Comunicación y poder (Madrid: Alianza, 2009), ele analisa como a internet, o tweeter, as redes sociais em geral e os telefones celulares se articulam com grupos e propostas políticas alternativas. Analisa também como sentimentos e ideias comuns podem ser organizados em manifestações reais e virtuais, listas digitais, grupos de ação e, em alguns casos, em ocupações contra regimes totalitários ou crises profundas, como aconteceu no norte da África, Turquia, Síria, Espanha...  Quando candidato à presidência dos EUA, Barack Obama aproveitou as possiblidades inovadoras do mundo virtual, o que foi importante para garantir sua vitória, justamente junto à população conectada e interessada em novas propostas. Agora, chegou a vez do nosso país.

No Brasil, o dia 17 de junho de 2013 foi marcado por manifestações nas principais cidades: Porto Alegre, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Vitória e até em várias cidades dos Estados Unidos onde há comunidades significativas de brasileiros. A maioria dos protestos foi pacífica.


Os motivos: o pontapé inicial foi o aumento das tarifas de transporte público que catalisou as revoltas e frustrações face às políticas públicas em geral. O serviço de transporte é ruim, o trânsito piorou muito nos últimos anos, há poucos investimentos em metrôs, trens e terminais confortáveis para atender a população. Some as inúmeras carências em segurança pública, saúde, educação e planejamento urbano. Adicione corrupção, cinismo, impunidade, mentiras, dubiedade jurídica, atentados sistemáticos contra a ética, seja em âmbito público, privado ou no terceiro setor. Cubra tudo com gastos absurdos para megaeventos internacionais. O superfaturamento de projetos mescla-se com mau planejamento, atrasos no cronograma das obras e uma clara sensação de que o famoso legado das Copas e das Olimpíadas será muito pouco face ao que foi prometido e louvado há apenas três ou quatro anos. Pior: o que já está pronto não oferece conforto, seguranças e justificativa para os altos custos e atrasos.

Então, pouco e mal se fez pelos megaeventos que, em si, seriam muito interessantes para o país. Por outro lado, esses eventos deixarão poucos legados na infraestrutura e no setor de serviços em geral. Mas bilhões foram gastos, sem transparência ou justificativas razoáveis. 

Sem contar o fantasma da inflação que ressurge, os problemas econômicos que não são bem explicados, a queda das ações de empresas como Petrobrás e as dúvidas sobre o modelo político e econômico adotado no Brasil. 

É um momento de ação e reflexão. Mudanças são exigidas e necessárias. Em breve começará a troca de acusações entre governo e oposição, partidos políticos tentarão capitalizar ganhos, grupos de interesses (legítimos e turvos) darão declarações e acadêmicos tentarão explicar essa primavera política outonal. 

Em meio a uma Copa das Confederações sediada no país, as pessoas se voltam para os problemas nacionais, regionais e comunitários. É bom que o mundo veja como adoramos futebol, mas não nos alienamos à problemática da construção social e dos desafios que enfrentamos há séculos.


Quem tem medo do povo nas ruas? Quem desgosta das denúncias e cobranças justificadas? Até quando o cinismo e a impunidade dos poderosos estarão acima da ética e da justiça social? É preciso que evoluamos rumo a novos patamares democráticos, pluralistas e até mesmo libertários. 

Há algo de podre nas nossas sociedades. Há um mal estar muito grande no ar. Apesar dos avanços sociais das últimas décadas, ainda resta muito a fazer. As classes dominantes voltaram sua face para o povo e se fecharam em seus condomínios financeiros, imobiliários e imaginários. 

Agora essas manifestações exigem saber as causas e efeitos, discutem pretensos dogmas institucionais ou partidários. Dos vinte centavos da tarifa a uma ampla agenda de reinvindicações, o movimento cresceu e pegou de surpresa os políticos, as instituições diretivas, a mídia e a população em geral. 

Querem mudanças. Querem explicações. Querem respeito. 

Então, termino com meu xará, o Gonzaguinha:

É!
A gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Prá passar a mão nela...

É!
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão
A gente quer viver uma nação...




Luiz Gonzaga Godoi Trigo