sábado, 20 de outubro de 2012

Crise aérea e incompetência continuam – a vez de Viracopos




O problema maior de uma crise é que ela não surge apenas de carências materiais ou de falhas operacionais. A questão de fundo é geralmente o despreparo profissional e a falta de uma mentalidade melhor elaborada, em termos de compreensão real das necessidades e possibilidades de uma determinada situação, para solucionar uma crise.

Uma grande operação exige planejamento tático e estratégico, manutenção constante dos equipamentos, atualização permanente das condições materiais, treinamento, capacidade de atuar sinergicamente com os vários envolvidos em um problema. Além de articulação ágil para se conseguir essa sinergia. Isso ainda não existe no sistema controlador da aviação comercial brasileira, que envolve atores do setor público (Infraero, ANAC etc.), associações profissionais e as empresas aéreas privadas, são concessionárias do governo. Sem contar seus inúmeros fornecedores, públicos e privados: combustível, catering, manutenção, transporte  de bagagens, passageiros e tripulações pelos aeroportos, comunicações, segurança, saúde, alfândega, migração, atividades de apoio nos aeroportos.

No caso da aviação comercial, o setor é altamente regulamentado, pois exige padrões de segurança operacionais bastante elevados. As falhas que não são contornadas ou resolvidas adequadamente podem provocar mortes e destruição. Porém as situações imprevistas acontecem e às vezes, um pequeno incidente – ou acidente sem consequências imediatas – pode se transformar num imenso transtorno com elevados prejuízos.

Foi o que aconteceu semana passada no aeroporto e Viracopos, em Campinas (SP). Um avião cargueiro MD-11 da Centurion, uma empresa norte-americana, teve seu trem de pouso danificado em função do estouro de um pneu, ao aterrisar no aeroporto. A aeronave ficou parada, sem condições de ser rebocada, em uma das extremidades da pista, mas deixava ainda 2.500 metros livres. Tudo começou no início da noite do dia 13 de outubro. Das 19h55 de sábado até às 16h20 da segunda-feira, tempo que o aeroporto ficou fechado, foram cancelados 512 voos e cerca de 27 mil passageiros ficaram no chão ou sem poder chegar ao destino. A Azul, empresa que utiliza o aeroporto como seu hub principal, ficou com 15 aviões “encalhados” no solo. Os irresponsáveis pela gestão do aeroporto calcularam os prejuízos em R$ 3 milhões. A Azul calcula o desastre operacional em R$ 20 milhões.

Porque irresponsáveis?

Os jatos da Azul são fabricados pela Embraer e decolam em pistas de 1.500 metros. A pista de Viracopos, com 3.240 metros, tinha ainda uma área de escape de 700 metros para possibilitar pousos e decolagens com segurança, segundo estudos feitos pela Azul. A pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tem 1.700 metros e a do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, tem 1.443 metros, uma ponte em uma das extremidades (a ponte Rio-Niterói) e uma pedra de 400 metros de altura (o Pão de Açúcar) bem na frente da outra extremidade da pista e os jatos decolam normalmente. A empresa Azul informou a Infraero e a ANAC sobre isso, pediu autorização para executar os vôos com essa margem de segurança e foram ignorados pelas autoridades. Sequer tiveram respostas para suas solicitações. Tivemos um descaso irresponsável e criminoso por parte das autoridades aeroportuárias.

Esse é o problema das mentalidades. Durante décadas o controle da aviação comercial brasileira ficou nas mãos dos militares da Aeronáutica, que não tem, nunca tiveram, competência para gerir a complexidade de tal sistema. Nenhuma aeronáutica do mundo tem essa competência, tanto é que, no mundo inteiro, os sistemas são administrados especialmente pela iniciativa privada e fiscalizados – aí sim – por órgãos oficiais. No Brasil, a mudança de tal absurdo administrativo é muito recente. Éramos uma das últimas aberrações do planeta, junto com a Somália, Uruguai e Argentina, países que ainda tinham os militares mandando na malha área civil.

Ainda impera a mentalidade autoritária retrógrada e nefasta dos militares da aeronáutica que, no setor militar, sequer possuem caças decentes para operar nos céus brasileiros. Trabalha com equipamentos obsoletos, não se envolvem em guerras há décadas (o que é ótimo), mas também não possuem agilidade para gerenciar crises e atender as emergências de um sistema que hoje, em 2012, tornou-se maior, mais sofisticado e complexo do que nos últimos anos graças ao desenvolvimento do país.

Existe apenas UM equipamento para atender esses casos. É o recovery kit air, pertencente à TAM e fica sediado em sua base de manutenção em São Carlos (SP). Custa cerca de R$ 4 milhões, valor que vários aeroportos podem pagar para ter com reserva em caso de necessidade. Mas não têm. Isso significa que qualquer problema desse tipo, em algum aeroporto deste país continental, depende de UM equipamento privado sediado no interior do estado de São Paulo.

Mas o pior nesse caso, ocorrido em outubro de 2012, foi a falta de coordenação entre a ANAC e Infraero para viabilizar a alternativa solicitada pela Azul com respaldo da Embraer, a fabricante dos jatos. Milhões de reais em prejuízos, 500 voos cancelados, quase 30 mil pessoas prejudicadas porque uns burocratas presunçosos e incompetentes se recusam a avaliar uma alternativa feita por uma empresa privada.

O agravante, que poucas pessoas sabem, é que essas autoridades foram fiscalizar e pressionar a Azul para que ela atendesse os passageiros e os transferisse para outros voos. Como se reacomodar 500 voos, num final de semana com feriado, quando a ocupação é altíssima, fosse fácil. E num aeroporto a 90 km. da capital e de ouros hubs. Aí já se avança de uma incompetência pública para uma perversão administrativa de má-fé para com a companhia aérea e ignorando solenemente os passageiros. Não resolvem o problema, ignoram a solução proposta pela Azul e pressionam a companhia em uma data difícil, por ser final de feriado prolongado, para resolver algo que deveria ser anteriormente planejado ou resolvido emergencialmente,

É esse preconceito estúpido que ainda marca, graças aos anos de autoritarismo militar e as falhas dos sucessivos governos civis, a gestão da malha aérea civil brasileira.

Esse é o cerne de nossa crise aérea e de outros problemas nacionais. Mentalidade retrógrada, ao lado da falta de educação e cidadania.

Luiz Gonzaga Godoi Trigo

Alguns links com matérias a respeito:





Nenhum comentário: